Recomendação do Ministério Público do Trabalho
RECOMENDAÇÃO Nº 007529.2022
(Associações Comerciais)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, pela Procuradoria Regional do Trabalho
da 9ª Região, no exercício das atribuições que lhe conferem os artigos 127 e 129 da
Constituição Federal de 1988 (CF/1988), bem como os artigos 6º, XX, e 84 da Lei
Complementar n.º 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União);
CONSIDERANDO que o Ministério Público do Trabalho tem por incumbência a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
o que inclui a promoção da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da
justiça social nas relações laborais (CF/1988, artigos 1º, III e IV, 127, caput, e 170);
CONSIDERANDO que ao Ministério Público do Trabalho compete a adoção das
medidas de natureza extrajudicial e judicial necessárias ao alcance daquelas finalidades,
notadamente a expedição de Recomendações, a instauração de Inquérito Civil Público, a
proposição de Termo de Ajustamento de Conduta, bem como o ajuizamento de Ação Civil
Pública, nos moldes do artigo 129, III e VI, da CF/1988, dos artigos 6º, VII, XIV e XX, e 83,
III, da Lei Complementar n.º 75/1993, além dos artigos 1º e 5º, I, § 6º, da Lei n.º 7.347/1985;
CONSIDERANDO que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 repele
a discriminação sob quaisquer de suas formas (artigos 1, 2 e 7), na medida que toda pessoa
é digna de igual consideração e respeito;
CONSIDERANDO que a Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho
– OIT (Decreto n.º 10.088/2019, Anexo XXVIII), norma de status supralegal, que versa sobre
a discriminação em matéria de emprego e profissão, em seu artigo. I, “a”, proíbe “toda
distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política,
nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de
oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão”;
CONSIDERANDO que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de
Direito, que tem por fundamentos, dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e o pluralismo político (CRFB/1988, art. 1º, II, III, IV
e V);
CONSIDERANDO que a República Federativa do Brasil possui como um dos seus
objetivos o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação” (CF/1988, artigo 3º, IV), consagrando o direito
à não discriminação no âmbito das relações de trabalho (CF/1988, artigo 5º, XLI e 7º, XXX);
CONSIDERANDO que constitui objetivo fundamental da República Federativa do
Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CRFB);
CONSIDERANDO que a tutela da dignidade da pessoa humana pressupõe a
efetivação dos direitos fundamentais nas relações privadas, incluindo as de trabalho;
CONSIDERANDO que a Constituição de República de 1988 prevê que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, sendo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II);
CONSIDERANDO que o ordenamento jurídico pátrio resguarda a liberdade de
consciência, de expressão e de orientação política (CF/1988, art. 1º, II e V; 5º, VI, VIII),
protegendo o livre exercício da cidadania, notadamente por meio do voto direto e secreto, que
assegura a liberdade de escolha de candidatas ou candidatos, no processo eleitoral, por
parte de todas as pessoas cidadãs;
CONSIDERANDO que o ambiente de trabalho compreende o complexo de condições
sob as quais o trabalho humano se realiza, envolvendo fatores físicos, químicos, biológicos,
ergonômicos, sociais, psicológicos, organizacionais e todos aqueles cuja presença direta ou
indireta influencie na saúde, higiene ou segurança do trabalhador (CRFB/1988, art. 7º, inciso
XXII);
CONSIDERANDO a eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais e que os
direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, § 3º);
CONSIDERANDO que a Convenção nº 190 da OIT, aplicada por força do art. 8º da
CLT, reconhece que a violência e o assédio no mundo do trabalho constituem violações ou
abusos aos direitos humanos, e que a violência e o assédio são uma ameaça à
igualdade de oportunidades, portanto, inaceitáveis e incompatíveis com o trabalho decente,
que deve se pautar pelo respeito mútuo e pela dignidade do ser humano;
CONSIDERANDO que a Convenção 190 da OIT estabelece, em seu artigo 5º, o dever
de respeitar, promover e realizar os princípios e os direitos fundamentais no trabalho,
nomeadamente a eliminação da discriminação relativamente a emprego e à profissão,
devendo, igualmente, serem adotadas medidas objetivando a promoção do trabalho decente;
CONSIDERANDO que práticas de assédio interferem na vida do trabalhador de modo
direto, comprometendo sua identidade, dignidade, relações afetivas e sociais, podendo
ocasionar graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo levar à morte, constituindo um risco
invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho;
CONSIDERANDO que o exercício do poder empresarial é limitado pelos direitos
fundamentais da pessoa humana, o que torna ilícita qualquer prática que tenda a excluir
ou restringir, dentre outras, a liberdade do voto das pessoas que ali trabalham, ou
seja, a liberdade de escolha nos processos eleitorais;
CONSIDERANDO que a utilização de contrato de trabalho para o exercício ilícito de
pressão ou obstaculização contra direitos, interesses ou vontades do empregado é prática
que viola a função social do próprio contrato, prevista como baliza para os atos privados em
geral, vide o art. 5º, XXIII e o art. 170, III, ambos da Constituição Federal;
CONSIDERANDO que o poder diretivo do empregador não pode impedir jamais o
exercício dos direitos de liberdade, não discriminação, expressão do pensamento e exercício
do voto, sendo que o abuso do poder diretivo viola o valor social do trabalho, estabelecido
como fundamento da República no art. 1º, IV, previsto como direito social fundamental nos
arts. 6º e 7º, e como fundamento da ordem econômica - art. 170, “caput” - e base da ordem
social - art. 190 -, todos da Constituição Federal;
CONSIDERANDO que eventual conduta que impeça o regular direito ao voto torna
ineficaz o parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, que estabelece que “Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição.”;
CONSIDERANDO que a concessão ou promessa de benefício ou vantagem em troca
do voto, bem como o uso de violência ou ameaça com o intuito de coagir alguém a votar ou
não votar em determinado(a) candidato(a), configuram atos ilícitos e fatos tipificados como
crimes eleitorais, conforme artigos 299 e 301 do Código Eleitoral;
CONSIDERANDO que, além de crime eleitoral, as práticas acima citadas configuram
assédio eleitoral laboral, e ensejam a responsabilização do(a) assediador(a) na esfera
trabalhista;
CONSIDERANDO que o artigo 297 do Código Eleitoral tipifica como crime, cominando
pena de detenção de até seis meses, o ato de “impedir ou embaraçar o exercício do
sufrágio”;
CONSIDERANDO que o artigo 237 do Código Eleitoral prevê que “a interferência do
poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do
voto, serão coibidos e punidos”;
CONSIDERANDO que o(a) empregador(a) deverá conceder o período necessário
para que o(a) empregado(a) possa votar, sem efetuar quaisquer descontos na remuneração
do(a) trabalhador(a);
CONSIDERANDO que em 30/10/2022 será realizado o segundo turno das eleições
para Presidente da República;
RESOLVE RECOMENDAR às ASSOCIAÇÕES COMERCIAIS E/OU INDUSTRIAIS
notificadas, em cumprimento às disposições constitucionais e legais, que
ORIENTE as empresas e empregadores(as) que adotem as seguintes
providências:
1. ABSTER-SE de conceder ou de realizar qualquer promessa de concessão de
benefício ou vantagem a pessoas que buscam trabalho ou possuem relação de
trabalho com sua organização (empregados, terceirizados, estagiários,
aprendizes, entre outros) em troca do voto de tais pessoas, indicando o
candidato que deve receber o voto;
2. ABSTER-SE de ameaçar, constranger ou orientar pessoas que possuem relação
de trabalho com sua organização (empregados, terceirizados, estagiários,
aprendizes, entre outros) ou mesmo aquelas que buscam trabalho a votar em
determinado candidato nas eleições;
3. ABSTER-SE de adotar ou permitir que seus prepostos adotem quaisquer
condutas que, por meio de assédio moral, discriminação, violação da intimidade
ou abuso de poder diretivo, intentem coagir, intimidar, admoestar, influenciar o
voto de quaisquer de seus empregados;
4. ABSTER-SE, imediatamente, por si ou por seus prepostos, a obrigar, exigir,
impor, induzir ou pressionar trabalhadores a realizar qualquer atividade ou
manifestação política em favor ou desfavor a qualquer candidato ou partido
político;
5. ABSTER-SE, imediatamente, por si ou por seus sócios e/ou prepostos, de
obrigar, exigir, impor, induzir ou pressionar trabalhadores para a realização de
qualquer atividade ou manifestação política em favor ou desfavor a qualquer
candidato ou partido político;
6. ABSTER-SE, imediatamente, de veicular propaganda político-partidária em
comunicados dirigidos aos seus empregados no âmbito da relação de emprego,
bem como em sítios da internet ou redes sociais vinculados ou mantidos pela
empresa na condição de empregadora, excetuados os perfis particulares de
pessoas naturais;
7. CONCEDER aos empregados(as) que prestarão serviços em seu favor no
domingo, dia 30/10/2022, o lapso temporal necessário para que possam
comparecer às zonas eleitorais para votarem, sem efetuar quaisquer descontos
na remuneração do(a) trabalhador(a).
ABRAGÊNCIA: A presente recomendação aplica-se a todas as atividades
desenvolvidas pelas empresas em território nacional, e a todos os seus empregados,
prestadores e fornecedores de serviços, estagiários e aprendizes.
RECOMENDA-SE, ainda, às ASSOCIAÇÕES COMERCIAIS E/OU INDUSTRIAIS
notificadas que encaminhem o presente documento às empresas filiadas, no prazo de
48 horas, comprovando tal encaminhamento nos autos do PA-PROMO
000260.2022.09.004/4, juntamente com lista dos empregadores abarcados pelo
encaminhamento, no prazo de 72 horas, contadas do recebimento da presente
Recomendação.
ADVERTE-SE, desde já, que o não cumprimento da presente Recomendação
poderá ensejar a adoção das medidas administrativas e judiciais cabíveis pelo
Ministério Público do Trabalho, com vistas à defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sem prejuízo da
apuração da responsabilidade criminal pelos órgãos competentes.
Esta notificação recomendatória é expedida com prazo indeterminado, podendo o
Ministério Público do Trabalho, a qualquer momento, solicitar/requisitar informações sobre o
respectivo cumprimento.
Curitiba, 07 de outubro de 2022.
Margaret Matos de Carvalho
Procuradora-Chefe da PRT da 9ª Região
Anderson Luiz Corrêa da Silva
Procurador do Trabalho
Coodenador do GEAF - Assédio Eleitoral da PRT da 9ª Região
Andrea Nice Silveira Lino Lopes
Procuradora do Trabalho
Coodenadora Regional da Coordigualdade na PRT da 9ª Região
Adriane Perini Artifon
Procuradora do Trabalho, Divisão Temática Especializada II da PRT da 9ª Região
Coordigualdade, Coordinfância e Conaete
Aline Riegel Nilson
Procuradora do Trabalho
Procuradoria do Trabalho em Guarapuava
André Vinicius Melatti
Procurador do Trabalho
Procuradoria do Trabalho em Umuarama
Fábio Fernando Pássari
Procurador do Trabalho
Procuradoria do Trabalho em Campo Mourão
Flávia Vanessa Maia Nogueira
Procuradora do Trabalho
Divisão Temática Especializada II da PRT da 9ª Região
Coordigualdade, Coordinfância e Conaete
Leonardo Ono
Procurador do Trabalho
Procuradoria do Trabalho em Campo Mourão
Luisa Carvalho Rodrigues
Procuradora do Trabalho
Procuradoria do Trabalho em Guarapuava
Patricia Blanc Gaidex
Procuradora do Trabalho
Divisão Temática Especializada II da PRT da 9ª Região
Coordigualdade, Coordinfância e Conaete
Data de Publicação: 11/10/2022